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POSITIVISMO JURÍDICO DE NORBERTO BOBBIO - Parte I
O Positivismo Jurídico do filósofo italiano Norberto Bobbio é uma obra deveras importante no debate jurídico contemporâneo, especialmente no Brasil. Bobbio é considerado um dos grandes positivistas da atualidade, suas ideias e pensamentos são extremamente relevantes, podendo ser interpretadas em todos os âmbitos do Direito, uma vez que discute o direito posto e sua aplicação.
Norberto compartilha as definições e distinções de alguns pensadores indicando, em síntese, que o direito positivo é limitado a um determinado povo e posto por este, criando uma identidade social e tornando-se uma norma mutável que pode ser anulada ou mudada, seja pelos costumes, seja por outra lei, enquanto o direito natural não tem limites e é posto pela natureza, permanecendo imutável no tempo.
Na época clássica o direito natural era conhecido como direito comum e o positivo como direito especial ou particular de determinada civilização. Apesar de não ser o direito natural superior ao positivo, este prevalecia sobre aquele sempre que ocorressem conflitos. Já na Idade Média a relação entre as duas espécies de direito se inverteu, tornando-se assim o direito natural superior ao direito positivo, por enxergarem o natural não mais como comum e sim como norma fulcrada na vontade de Deus.
Para Bobbio (Positivismo Jurídico, 2006, p. 26), "por obra do positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito positivo, e o direito natural é excluído da categoria do direito: o direito positivo é direito, o direito natural não é direito. (…) O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo".
Destarte, seguindo esta linha, o filósofo afirma que com a formação do Estado moderno, concentrou sobre este todos os poderes, incluindo no rol o poder de criar o direito. Todavia, nem sempre foi assim, originalmente o direito era formado através das constantes e uniformes manifestações do povo, são as chamadas normas consuetudinárias.
Em mais uma de suas definições, talvez uma das mais meritórias, Bobbio (Positivismo Jurídico, 2006, p. 27) define direito como sendo "um conjunto de regras que são consideradas (ou sentidas) como obrigatórias em uma determinada sociedade porque sua violação dará, provavelmente, lugar à intervenção de um "terceiro" (magistrado ou eventualmente árbitro) que dirimirá a controvérsia emanando uma decisão seguida de uma sanção ao que violou a norma".
Assim, fala-se de direito quando aparece uma terceira pessoa para solucionar um conflito entre dois sujeitos. Se não há a intervenção deste "terceiro" não há que se falar em direito em sentido estrito.
Entretanto, com o surgimento do Estado moderno, o juiz torna-se um órgão desse Estado, passando a ser vinculado ao direito positivo, que é aquele direito posto e aprovado pelo Estado, não restringindo esse campo apenas às normas emanadas do Poder Legislativo, mas também os costumes e os princípios gerais do direito, considerados fontes do direito desde que aprovados pelo Estado, tornando este o único criador do direito.
O filósofo registra ainda que existem resquícios da aplicação do direito natural, por existir "lacunas do direito", devido ao fato de que ao legislador seria impossível prever e normatizar todas as situações e relações existentes ou que possam vir a existir, surgindo assim determinados casos que não têm uma norma reguladora, sobressaindo então à aplicação do direito natural. Bobbio faz a assertiva de que esta solução é perfeitamente lógica para quem admite que o direito positivo fundamenta-se no direito natural.
Sobre o assunto, o filósofo entende que "o direito positivo não destrói, mas sim recobre ou submerge o direito natural", portanto, ao surgir lacunas no direito posto, o natural aparece. Neste mesmo diapasão e para corroborar seu entendimento, Bobbio cita, dentre outros, Hobbes e discorre que este insigne precursor do jus positivismo, vê um limite para a onipotência do legislador humano no fato de que este, não sendo Deus, não pode prever todas as circunstâncias.
Após inúmeras investigações históricas elaboradas para se proceder a construção textual da obra Positivismo Jurídico, Bobbio concluiu o significado histórico do positivismo jurídico e afirma precisamente e de maneira mais específica o termo "direito positivo", como sendo aquele direito que é posto pelo Estado soberano, decorrente de normas gerais e consideradas existentes no domínio das ideias, isto é, como "lei".
Assim, em decorrência deste entendimento sobre o direito positivo, o autor descreve que o positivismo jurídico nasce do impulso para a legislação, quando a lei torna-se fonte exclusiva de direito, sendo representada pela codificação. Esse impulso não é limitado e nem eventual, mas sim universal e irreversível e é estritamente ligado à formação do Estado moderno. O impulso para a legislação, segundo o jurista "nasce de uma dupla exigência, uma que é a de pôr ordem no caos do direto primitivo e a outra de fornecer ao Estado um instrumento eficaz para a intervenção na vida social.".
O POSITIVISMO JURÍDICO DE NORBERTO BOBBIO - Parte II
Primeiramente, calha observar que o italiano Norberto Bobbio (18.10.1909 - 09.01.2004) é o filósofo de maior peso na contemporaneidade.
Dentre os diversos estudos de Bobbio, o Positivismo Jurídico é o que salta aos olhos da maioria dos juristas brasileiros, razão pela qual se aborda esta temática sob o entendimento do autor.
Apesar de nem todos os países terem suas legislações codificadas, em todos ocorreu a supremacia das leis sobre as demais fontes do direito, tornando aquela, fonte imediata. Como exemplo tem-se a Alemanha, que no século passado não teve codificações, principalmente por causa da reação provocada pela escola histórica e, em particular, pelo jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (21.02.1779 – 25.10.1861). Este fato parece criar uma dubiedade quanto ao caráter universal do impulso para a legislação, mas no decorrer de suas anotações, Bobbio percebe que mesmo a escola histórica, embora se opondo à codificação, compartilhava das exigências que fundamentavam o movimento pela legislação.
Assim, na Alemanha do século XIX, a função histórica da legislação foi assumida pelo direito científico, que se tornou fonte da corrente do positivismo jurídico, haja vista ser fundado na concepção do direito como uma realidade social e unidade sistemática de normas gerais, além de ter constituído uma alternativa ao direito codificado.
A escola histórica que teve Savigny como um de seus principais representantes, não tinha o intuito de mudar em nada o sistema do direito vigente na Alemanha até então, mas acreditava que se algo devia ser alterado, o melhor não era a codificação, mas sim o desenvolvimento da ciência jurídica. Os juristas alemães, bem como os franceses e ingleses, tinham uma grande quantidade de material jurídico confuso e disperso, mas mesmo assim sustentavam que a obrigação de ordenar a desordem cabia a eles próprios e não a um legislador.
Bobbio afirma que a teoria da concepção da ciência jurídica foi elaborada pelo jurista alemão Rudolf von Jhering (22.08.1818 – 17.09.1892) que defende o caráter universal dessa ciência, criando uma simplificação dos materiais jurídicos, que ele distingue em quantitativa e qualitativa.
A quantitativa tende a diminuir a massa dos materiais, mas sem trazer prejuízos aos resultados que se pretende atingir, tendo três características básicas, quais sejam: a análise jurídica, que decompõe o material jurídico buscando elementos simples; a concentração lógica que procura recompor o que foi descomposto, buscando a formulação do princípio latente e quase sempre não expresso nas leis (talvez seja esta, a etapa mais importante deste processo de simplificação, pois a descoberta dos princípios é essencial para a ciência jurídica, não só pela concentração a que dá lugar, como também pelas novas regras que desta nascem); e, por fim, o ordenamento sistemático que permite ao jurista ter visão de conjunto e produzir novas regras.
A qualitativa é a operação que permite distinguir uma jurisprudência superior de uma jurisprudência inferior. Enquanto esta última busca apenas a hermenêutica da lei, a primeira a constrói. Para Jhering, a construção depende de uma individualização e de um isolamento dos institutos jurídicos, pois uma vez individualizados um desses institutos, a tarefa da ciência jurídica é executar sua teoria. Por consequência, essa construção deve ser aplicada exclusivamente ao direito positivo, além de ter uma vista sistemática, procurando conciliar o provecto com o novo e ser simples e eloquente.
Norberto conclui a exposição histórica do nascimento do positivismo jurídico dizendo que as teses defendidas por Jhering, são indicativas da mentalidade jurista teórica, que é a que geralmente se atribui aos positivistas. É uma mentalidade que se preocupa mais com a lógica e com a estética, ao invés de se preocupar com as consequências dessa construção.
O POSITIVISMO JURÍDICO DE NORBERTO BOBBIO - Parte III
O filósofo Norberto Bobbio, instituidor da produção filosófica Positivismo Jurídico, ora em análise, no ápice de seu labor discorre sobre os pontos fundamentais da doutrina jus positivista, enumerando-os em sete.
O ponto inicial que caracteriza, segundo Bobbio, o positivismo jurídico trata do modo de enxergar o direito. O positivismo jurídico tem como escopo transformar o estudo do direito em ciência. O filósofo entende que a característica principal de uma ciência é a avaloratividade, isto é, a distinção entre juízo de fato e juízo de valor, consistindo a ciência apenas no juízo de fato que representa uma tomada de conhecimento da realidade com o intuito de informar, enquanto o juízo de valor representa uma tomada de decisão diante de algo que já foi informado, é a opinião sobre determinada coisa ou assunto.
O segundo ponto discorre sobre a definição do direito em função do elemento coação, derivando, portanto, a teoria da coatividade do direito que por consequência de entender o direito como ciência e atribuir-lhe a característica do juízo de fato leva a considerá-lo por decorrência, como aquele que é feito valer por meio da força.
As fontes do direito são o terceiro ponto de caracterização do positivismo jurídico. Uma complexa doutrina sobre as relações entre a lei e o costume, a lei e o direito judiciário e entre a lei e o direito consuetudinário é elaborada pelo positivismo jurídico. A importância do problema das fontes do direito surge do fato de que este depende de sua fonte para ser considerado válido, do ponto do vista jus positivista. Em outras palavras o problema das fontes do direito diz respeito à validade das normas jurídicas. Uma norma é válida se for produzida por uma fonte autorizada.
O quarto ponto trata da teoria imperativista da norma jurídica que de início conclui que o positivismo jurídico considera a norma como um comando. Esta teoria está ligada à concepção que considera o Estado como única fonte de direito e enxerga a lei como única expressão do poder normativo do Estado.
O quinto ponto diz respeito à teoria do ordenamento jurídico. Vale a ressalva de que esta teoria foi criada pelo próprio positivismo e encontra seu fundamento no pensamento de Kelsen e tem como principal escopo dar unidade a um conjunto de normas jurídicas fragmentárias, pois se assim continuassem constituiria um risco de incerteza e arbítrio.
O sexto ponto que caracteriza o positivismo defendido por Bobbio diz respeito ao problema da interpretação da norma jurídica. O positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito.
A interpretação é algo muito complexo e que pode se desenvolver de diversos modos. O campo do direito foi onde a interpretação mais se desenvolveu e se organizou. Na visão do positivismo jurídico a interpretação é na maioria das vezes textual e, em certas circunstâncias, quando integra a lei, pode ser extratextual, mas nunca será antitextual, colocando-se contra a vontade do legislador, expressa na lei.
No último ponto trazido por Bobbio para caracterizar o positivismo jurídico, falou-se do positivismo jurídico como ideologia do direito, considerando ideologia como a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume em face de uma realidade.
Afirma-se no decorrer da produção textual que a ideologia jus positivista consiste em afirmar o dever absoluto ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal. A afirmação do dever absoluto de obedecer a lei encontra sua explicação histórica no fato de que, com a formação do Estado moderno, não só a lei se tornou a única fonte do direito, mas também que por consequência o direito estatal-legislativo se tornou o único ordenamento normativo. Fala-se, portanto em um positivismo ético, na visão ideológica do jus positivismo, por não estarmos mais diante de uma doutrina científica.
Assim, no estudo a que se propôs, Bobbio concluiu que o positivismo jurídico é considerado sobre três aspectos: um modo de abordar o estudo do direito (ponto 1); uma teoria do direito (ponto 2 a 6); uma ideologia do direito (ponto 7).
Eloquente foi a posição do autor ao expressar que é necessário não considerar esses aspectos em um bloco monolítico para se realizar um balanço do positivismo jurídico, pois os sete pontos que caracterizam esta corrente não estão inseridos no mesmo plano e sim em três planos diversos, o do método para o estudo do direito, o da teoria do direito e o da ideologia do direito.
Destarte, Bobbio encerra sua obra contribuindo grandemente com os operados e estudiosos do direito com seus ricos e por vezes originais pensamentos, dando àqueles que aderem à corrente jus positivista uma sustentação a suas escolhas.
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